sábado, 25 de junho de 2011

A Agonia em pedalar na Linha do Sabor… 4 dias Autonomia

Travessia de 4 Dias no Sabor - 2011-06-22 a 25



Um dia, o sonho levou-me a pensar como seria viver há 35 anos atrás. Imagino que com grandes dificuldades em muitos aspectos, mas os homens sobreviviam do seu trabalho diário com a sua produção agrícola e com escassos meios, tendo por vezes que emigrar e fazer-se à vida. Este é um dos maiores problemas do interior: a sua desertificação fez com que muitos procurassem uma vida melhor no estrangeiro ou nas grandes cidades, como o Porto e Lisboa.
As linhas férreas de Trás-os-Montes, que até então os ligava ao mundo mais desenvolvido, foi decaindo no transporte de passageiros, de mercadorias (pedra, ferro e cereal) e correio. A linha do Sabor foi a primeira a ser encerrada, em 1988. Creio que no mesmo ano a linha de Barca D´Alva também foi encerrada.
Em 2009 pedalei pela Linha do Tua. Na altura propus-me chegar à Estação do Tua, transportado pelo comboio desde Penafiel. Passei 3 dias a pedalar e acabei no Pocinho, tendo feito os últimos 7km de linha férrea já na Linha do Sabor. Bem, se estava deslumbrado com as paisagens da Linha do Tua, fiquei curioso e cheio de vontade de repetir a aventura, mas desta vez pela Linha do Sabor. Fiz o meu trabalho de casa, levantamentos topográficos, levei algumas alternativas de percursos, falei com gentes da terra e fiz-me ao caminho. Se em 2009 comecei no Tua e acabei no Pocinho, desta feita comecei no Pocinho e fui acabar no Tua. Desbravei terreno até à última estação em Duas Igrejas-Miranda do Douro. Foram 105,3 Km a acompanhar mais uma beldade construída em:
17-09-1911 (Pocinho-Carviçais)
06-07-1927 (Carviçais-Lagoaça)
01-06-1930 (Lagoaça-Mogadouro)
22-05-1938 (Mogadouro-Duas-Igrejas)

O primeiro dia começou cedo. Eu e o Kunalama Sérgio Sousa, às 8h do dia 22-06-2011, estávamos já a partir da Estação de Penafiel, com destino ao Pocinho.
Às 10h45, já no Pocinho, foi hora de começar a aventura de 4 dias pelo interior esquecido… Já passava do meio-dia quando começámos a entrar em Torre de Moncorvo, ainda com as marcas das linhas em plena vila por onde cruzavam ruas e estradas. Aí começava a ciclovia do Sabor, construída há poucos anos pela autarquia até Carviçais. Sabíamos que não haveria lugar a dificuldades e serpenteámos várias montanhas, onde no antigamente se extraía pedra de cor invulgar, mais parecida com carvão brilhante, único! Já passavam das 14h quando chegámos a Carviçais. Tínhamos programado almoçar no “O Artur” restaurante típico.

Para trás terminava a ciclovia, rolante, mas já a precisar de investimento publico na sua manutenção. É a crise! Ela aí está! Seguiu-se uma tarde complicada. Algumas silvas foram companheiras, mas como o trabalho de casa feito dá sempre bom resultado, tínhamos alternativas de caminhos agrícolas não mais distantes que 50/70mts da linha. Foram poucas as vezes que os utilizamos, mas a única grande dificuldade foi a chegada a Freixo de Espada a Cinta. A aproximação à antiga Estação está quase engolida pelas silvas e mato, mas resolvida a aproximação pelo terreno ainda a ser cultivado, até deu para tirar mais umas ricas fotos! A degradação das Estações e apeadeiros são o que mais me doeu na alma: desde painéis de azulejos pilhados (alguns), até colunas de pedra roubadas, deixando um ambiente de degradação bastante avançado. Por vezes dava por mim a pedalar e a sonhar como seria viver por ali com o “pouca-terra” a passar e a trazer as boas e as más noticias. Deveria ser uma alegria pras gentes da terra, as famílias que chegavam ou partiam, o transporte dos cereais, muito próspero para aquelas gentes.

Em Vilar de Rei, mesmo antes de Mogadouro, mais um património que existe em pleno centro da aldeia, onde outrora era próspero no transporte dos cereais para os silos em Mogadouro, onde eram armazenados para posterior comércio nas grandes cidades. De seguida, Mogadouro e a sua Estação: fiquei deslumbrado com os seus edifícios envolventes. É uma pena estarem inseridos numa história triste de esquecimento de há mais de duas décadas.
Para trás fica para a história os Apeadeiros e as Estações de Moncorvo-Larinho-Carvalhal-Felgar-Mós-Fonte do Prado-Carviçais-Macieirinha-Freixo Espada a Cinta-Fornos- Sabor-Lagoaça-Bruçó-Vilar de Rei-Mogadouro.

Foi o final do 1º dia da Aventura… venha o 2º dia!

O segundo dia começou novamente na Estação de Mogadouro. Foi uma manhã tranquila. Às 7h30 já pedalávamos e desfrutávamos das tão belas paisagens mirandesas. Na Estação de Variz tínhamos à nossa espera mais um local marcante nessa aldeia, também plantado em pleno centro. Desilude a sua destruição. Pedalámos muitas vezes em cima do cascalho antigo da linha. Algumas travessas ainda se encontram intactas e é nostálgico sentir a história que poderia ser contada na primeira pessoa! A estação de Urrôs está praticamente engolida pelas silvas. Ao seu lado, um café de beira de estrada, com algumas histórias ainda relembradas pelos homens de 3ª idade. Pelo menos souberam bem as “coca-colas” que consumimos. De volta a pedalar, seguia-se Sendim, bem longe do centro da aldeia, mas bela como todas as outras: painéis de azuleijos ainda intactos. O nosso ego estava no auge, pois pedalávamos cheios de vontade de chegar ao…fim da linha! Essa mítica Estação de Duas Igrejas-Miranda do Douro, outrora cheia de vida por ali, hoje com uma devastação de lixo metálico por todo o lado, ainda que mantendo intactos alguns painéis de azulejos e edifícios fechados. A “roda metálica” onde as locomotivas invertiam a marcha ainda funciona. Dei bem à manivela para dar a volta com a minha “bike”…um dia talvez alguém se lembre que prospera ali uma história de valor incalculável.
Apeadeiros e Estações Mogadouro-Variz-Sanhoane-Urrós-Sendim-Fonte de Aldeia-Duas Igrejas-Miranda. Final da linha do Sabor.
Seguia-se a segunda aventura, em direcção ao Vale do Sabor, esse mesmo que a barragem em construção (há mais de um ano), irá cobrir com a sua albufeira (mais uma facada na biodiversidade que ainda prospera na zona). Para quem não sabe, este Rio Sabor nasce em Espanha, a 2km da fronteira com Portugal, em Bragança, e tem mais de 100km de extensão. É é só o 5º rio Europeu com mais de 100km sem barragens…mas será por dias!

Seguíamos a todo o gás até Palaçoulo, a terra das “facas, canivetes e afins”, almoçámos por lá, encontrámos boa gente e seguímos para o tão esperado Castelo/Torre de Algoso. Que maravilha! Já o conhecia através dos meus trabalhos de casa para a travessia. Já o tinha visitado, mas não tinha era experimentado a sua fantástica descida até a ponte romana e a sua calçada. E se, por um lado, a descida é agora a mais bela que fiz até hoje, a subida seguinte é das mais penosas que fiz! …que dureza!! O dia estava a ser longo...parecia que não acabava e tanto que ainda faltava para pedalar! Seguíamos para o Castelo/Torre de Penas Roias: outra beldade plantada por aquelas terras! Já com o sol a desaparecer naqueles montes, lá terminámos o dia às 21h! Foi o dia mais completo que tive até hoje.

Foi o final do 2º dia da Aventura… venha o 3º dia!

O terceiro dia iniciava uma nova etapa. Arrancámos do Castelo/Torre de Mogadouro. Daqui partiam também o "13º Lés a Lés de Mota até ao Algarve"…eram só motas!!! E as nossas duas bikes! Pelos caminhos agrícolas, pedalávamos por entre paisagens fantásticas, de aldeia em aldeia, até à descida da ponte de Remondes! Fantástica descida, bem como a sua calçada! Passámos por um animal chamado de “burro” que transportava uma velhinha montada. Sentada de lado no “burrito”, ele subia e nós desfrutávamos a descida! Passada a ponte de Remondes, essa que também irá ficar submersa, pois tem os seus dias contados, seguiram-se umas belas paredes, vinha a cima.
Na aldeia de Porrais abastecemos e deixámos os homens da aldeia estupefactos com a nossa aventura! Em seguida passámos numa quinta abandonada com vários hectares de pomares plantados: uma mansão com brasão, mesmo ali junto à estrada. Que triste saber que, um dia, ali o negócio era promissor e recentemente deixou de o ser. A mostra de abandono é recente e os cães, largados por ali, com mostras de muita fome! Eram os únicos habitantes da mansão. Passámos por alguns tractores abandonados, pelos seus hectares de terra...o caminho era duro e começava a pesar nas pernas, sabia que era complicado chegar ao local para almoçar, sabia que teria de chegar a Gebelim o mais cedo possível para não comprometer o resto da tarde. Lá conseguimos chegar, bem fora de horas de almoço, passava já das 15h, as temperaturas eram bravas, uns bons 35 graus ou mais.

Em Gebelim tivemos que nos contentar com umas chouriças e pão. Enchemos os camelbaks e seguimos! Só faltava conquistar a serra de Bornes! Sabia que iria ser mítica a subida! Pelo meio da serpente, sempre a subir com um calor tórrido, tivemos o momento de sorte… um tubo de 2 polegadas a jorrar água geladinha vinda bem lá do alto da serra de Bornes...que maravilha!!! Saía em queda...foi a cereja do dia! Após um belo banho, pedalámos até Covelas, local onde iríamos pernoitar, mas antes mesmo iríamos ao alto da serra de Bornes. Mas que parede! 1,8km e 250mts de acumulado, que dureza! Mas foi uma surpresa a verdadeira maravilha que se pode desfrutar ali! Às vezes passamos tão perto e nem damos pela beleza que temos mesmo ali ao lado! Fiquei maravilhado! O Sérgio usou mesmo a expressão “…é provávelmente o local mais fabuloso que conheci!” Tirámos mais de 100 fotos e passámos uma hora e meia a desfrutar daquele cenário!

Foi o final do 3º dia da Aventura… venha o 4º dia!

Quarto e último dia da travessia: seria mais um dia memorável. Bem cedo, arrancámos da Aldeia de Covelas, em plena Serra de Bornes. Teríamos pela frente mais um dia de muita adrenalina e sabíamos que teríamos de chegar à Estação do Tua antes das 18h15m, hora de partida do comboio que nos levaria novamente a Penafiel. Descemos por trilhos a Colmeais, Vilares da Vilariça. Foi sempre a descer fantástica calçada. Procurávamos ansiosamente um café para carregar baterias, mas não aparecia nada aberto. Acabámos por iniciar a subida sem nada no estômago, mas tinha de ser assim, não poderíamos perder muito tempo e em Vale Frechoso lá tomamos o bem dito pequeno almoço. Comprámos alimentos para o almoço e seguimos até Vila Flor. E que parede até ao santuário das Capelinhas!! Descemos então a Vila Flor, parámos para mais umas “coca-colas” e seguimos, de aldeia em aldeia, até bem perto de Carrazeda de Ansiães. Deixávamos para trás trilhos e mais trilhos fantásticos e duros, principalmente pelo calor que se fazia sentir por ali. Foi hora de pedalar já com as vinhas do Douro vinhateiro mesmo ao nosso lado e cada vez eram piores as temperaturas que se faziam sentir: uns bons 40ºC e já passava das 16h quando chegámos ao miradouro de Tralhariz. Foi tempo de descer pela calçada mais dura que tínhamos feito os dois há 2 anos atrás.

Foi lindo descer e não subir!! Paisagens únicas que a encosta do Rio Tua e Douro nos oferecem… ficará na memória o calor sentido pela descida até à Estação. Estavam seguramente 50ºC e tive mesmo dificuldade com o sapato do pé direito, pois o sol incidia no sapato e já sentia o pé a ser cozido!! Apanhávamos cada baforada de ar quente, que nem é bom pensar!! …por isso é que o vinho do Douro é único!
Estação do Tua - 17h55m. Terminámos a travessia. Havia que regressar. Deixo apenas os dados dos líquidos que consumimos neste dia: cada um de nós bebeu 8 litros. Ficará para a posteridade mais esta aventura. By bartes - Kunalama



FOTOS do 1º Dia - AQUI
FOTOS do 2º Dia - AQUI
FOTOS do 3º Dia - AQUI
FOTOS do 4º Dia - AQUI

Track´s 1º Dia, 2º, 3º e 4º da Travessia - AQUI




Abraço

Bruno bartes -13-

2 comentários:

Antonio Pereira disse...

Depois de me teres falado nesta aventura ao almoço de domingo, não resisti a vir espreitar. fantastico sem duvida e fiquei cheio de inveja. Isso acontece quando leio frases como “…é provávelmente o local mais fabuloso que conheci!” e "...a descida é agora a mais bela que fiz até hoje, a subida seguinte é das mais penosas que fiz...".
Nomeadamente na ultima frase gostei da parte da descida e da parte da subida penosa. :)

Dario Silva disse...

Bom, bom!

ds.
www.ocomboio.net